
Natal em família é, a um só tempo, um retorno ao passado, um testemunho do presente e um relance no futuro.
Um percurso ao passado porque é quando revemos aquele parente ou agregado em que não esbarrávamos há tempos. Ou ouvimos histórias de gerações anteriores à nossa. Ou escutamos dos mais velhos episódios de nossa própria infância há muito esquecidos por nós. (Alguns dos quais ficaríamos melhor sem relembrá—los: o dia em que quebramos o vaso de cerâmica da casa; choramos na cadeira do dentista frente ao aterrorizante bisturi; estragamos o jardim ao plantarmos uma planta rasteira que engolfou os caules das demais…) É quando os velhos contam suas histórias, com menções a fatos, pessoas e locais que do contrário se perderiam no tempo.
O passado é o mais seguro dos refúgios: imutável e, por isso, sob controle. Fácil assim nos perdermos na memória afetiva, os demais membros da família como imagens estáticas, remanescentes de nossa própria nostalgia.
O Natal nos impede disso: o mesmo retrovisor que nos força a olhar para trás nos faz ver os outros como são, no presente. Jovens aparecem de cabelos brancos (“do dia para noite”, iludimo-nos, para não reconhecermos o próprio envelhecimento…) Casais antes amorosos reduzem-se a um só: o parente de sangue, que comparece abatido sob o peso da separação. Os ambiciosos, que anunciavam aos brados o ímpeto de conquistar todos os espaços, apresentam-se desesperançosos, humildes, conformados com migalhas.
O presente é a realidade. Ter os pés-no-chão, aliás, é prudente. Mas que seria da vida sem este motor que há milênios impele o homem: a esperança de que tudo há de melhorar?
Sim, no Natal a família também vislumbra o futuro. Os bebês, recém-ingressos, são a garantia de que haverá continuidade. As crianças, com mais idade, e por isso menos frágeis, tornam mais certa a posteridade. Os adolescentes estão prestes a se tornarem adultos, terem os próprios filhos e prosseguirem a linhagem.
Passado, presente e futuro se apresentam, assim, à medida que se aproxima a hora da virada para o Natal e a ceia que o celebra, cai a cortina que separa. O rapaz de décadas atrás se tornou avô. A moçoila de antes virou mãe, os filhos já crescidos. A criança se tornou adulto, a ingenuidade tendo dado lugar à cautela de quem é responsável por si mesmo. Os mais velhos contam histórias — histórias que para os jovens são distantes — tão distantes quanto serão as que estes contarão às novas gerações quando fora eles próprios os velhos.
Natal em família é uma viagem no tempo, por todos os tempos.
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